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Austrália, Gaza, Sudão e Ucrânia: vidas que importam de formas diferentes?

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Prof Israel Aparecido Gonçalves

Israel Aparecido Gonçalves

É de repudiar e lamentar profundamente os assassinatos de famílias na praia de Bondi, em Sydney, na Austrália que ocorrem hoje (14-12).  Até o momento os indícios apontam que as pessoas foram mortas simplesmente por serem judias, em um crime brutal motivado pelo ódio religioso e étnico, que deve ser condenado de forma inequívoca e sem qualquer relativização. A violência dirigida contra civis (geralmente o alvo é realmente os civis) independentemente de sua identidade, revela o avanço preocupante de discursos extremistas e intolerantes que se espalham pelo mundo e encontram terreno fértil em contextos de polarização política, econômica e social. O terrorismo existe para matar e gerar medo nas pessoas.

Entretanto, condenar os crimes na praia de Bondi,  não pode significar fechar os olhos para outras violências igualmente graves. Infelizmente, vivemos uma cultura da violência. É necessário lembrar que o governo de Israel também tem promovido a morte sistemática de civis palestinos, tanto na Faixa de Gaza quanto na Cisjordânia desde 1948, em operações militares que atingem indiscriminadamente mulheres, crianças e idosos. O próprio governo de Israel foi atingindo por um ataque terrorista em 07 de outubro de 2023. Não há hierarquia moral entre vítimas. Toda vida humana perdida em atos cruéis e injustificáveis representa uma tragédia irreparável, e qualquer tentativa de relativizar esse sofrimento contribui para a naturalização da barbárie.

Nesse cenário, torna-se evidente a seletividade moral de parte da mídia internacional e da mídia brasileira (em especial Jovem Pan, Globo News e CNN), que tende a enfatizar com maior intensidade a dor de determinados grupos, enquanto silencia ou minimiza o sofrimento de outros. Ao destacar amplamente a violência contra judeus, mas tratar de forma secundária ou estatística a morte cotidiana de palestinos, sudaneses ou ucranianos, constrói-se uma narrativa desequilibrada, que hierarquiza vidas e reforça interesses geopolíticos específicos. A seletividade das matérias jornalísticas foi objeto de pesquisa, conforme a revista Le Monde Diplomatique Brasil “O horror como espetáculo: uma análise preliminar do conflito” (Publicado dia 07 de novembro de 2023).   Essa postura compromete o papel do jornalismo como instrumento de informação crítica e de defesa dos direitos humanos universais e não ajuda para ameninar essa cultura da violência.

Os atentados terroristas e os conflitos armados espalhados pelo mundo exigem uma reflexão mais profunda sobre as causas estruturais da violência. O terrorismo não surge no vazio: ele é alimentado por desigualdades históricas, ocupações militares, exclusões sociais, discursos de ódio e fracassos sistemáticos da diplomacia internacional, como apontam Michael Weiss e Hassan Hassan, na obra Estado Islâmico: Desvendando o Exército do Terror (2015). Combater o terrorismo exige mais do que repressão; exige enfrentar as raízes políticas, econômicas e simbólicas que produzem ciclos contínuos de violência.

Esse mesmo silêncio seletivo se repete em outras guerras igualmente devastadoras. No Sudão, um conflito interno prolongado tem produzido uma das maiores crises humanitárias da atualidade, com milhões de deslocados, fome generalizada e massacres de civis, sem que isso mobilize a atenção proporcional da imprensa global. Só em agosto deste ano, mais 1500 civis foram mortas no Sudão em um ataque terrorista, mas provavelmente você não ficou sabendo desse massacre (Opera Mundi, publicado dia 14 de agosto de 2025). Da mesma forma, a guerra entre Rússia e Ucrânia (iniciada em 2022) continua a produzir milhares de mortes, destruição de cidades e sofrimento humano em larga escala, sendo frequentemente tratada sob uma lógica geopolítica que privilegia alianças e interesses estratégicos em detrimento da centralidade das vítimas civis.

A escolha editorial da mídia, ao alinhar-se de forma tão explícita a determinados projetos políticos, revela interesses que ultrapassam o compromisso com a informação equilibrada, plural e ética. Isso pode significar muitas coisas, disputas de poder, alinhamentos internacionais, interesses econômicos, mas certamente não pode ser chamado de jornalismo comprometido com a defesa universal da vida, da dignidade humana e da justiça. Refletir criticamente sobre essas assimetrias é um passo necessário para compreender o mundo em conflito no qual vivemos e para recusar a normalização da violência seletiva.

Israel Aparecido Gonçalves é cientista político e escreve sobre Relações Internacionais, Conflitos e Direitos Humanos. Seu livro mais recente é “Sociologia e Direito – Volume 3”, lançado pela Editora Periodicojs em 2025. Instagram @sou.profisrael

 


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