
A análise política que fiz hoje não foi sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, nem sobre o genocídio cometido pelo Estado de Israel na Faixa de Gaza, tampouco sobre as tarifas implementadas por Donald Trump.
O foco da minha análise foi o documentário Apocalipse nos Trópicos, dirigido pelas brasileiras Petra Costa e Alessandra Orofino. Achei a produção extremamente interessante, pois conduz o espectador, do início ao fim, por uma reflexão sobre uma relação que, embora muitas vezes não seja evidente, torna-se bastante clara para quem estuda ou acompanha a política brasileira, seja de esquerda ou de direita, que é a questão dos problemas políticos de misturar religião política.
Desde o começo, percebi que o documentário expõe a interseção entre religião e política no Brasil. Ele revela como o movimento evangélico — com suas crenças, ideologias e ações — atua a partir de interpretações apocalípticas do cristianismo, moldando comportamentos, discursos e práticas políticas. Apresenta a figura do cristão neopentecostal alinhado à chamada “teoria do domínio”, muito presente em diversas igrejas evangélicas.
Essa ideologia, aos poucos, foi se entrelaçando com a trajetória política de Jair Bolsonaro até sua chegada à presidência, trazendo à tona pautas sobre costumes, moralidade e temas identitários. A candidatura dele não foi sustentada por uma defesa da democracia cristã, mas por uma visão radicalizada de teocracia — algo semelhante ao modelo do Irã, curiosamente muito criticado por esses mesmos grupos evangélicos.
Petra conseguiu interpretar e revelar esse cenário com muita clareza. O documentário foi reconhecido em um importante festival de cinema na Itália e ganhou destaque por apresentar uma abordagem inédita dos bastidores do poder no Brasil. Acompanhando figuras centrais da política e da religião, ele traz entrevistas com Lula, Bolsonaro e o televangelista Silas Malafaia, principal expoente midiático do movimento evangélico.
Petra Costa analisa, junto com Alessandra, a influência dos líderes religiosos na política nacional e mostra como a crença no “fim dos tempos” molda estratégias eleitorais e decisões importantes entre os evangélicos. Para mim, o documentário não retrata apenas os efeitos religiosos na política, mas aponta para uma mudança mais profunda: essa nova religiosidade não quer apenas ocupar espaços institucionais, mas sim travar uma verdadeira guerra simbólica contra tudo o que consideram impuro ou contrário à sua visão de mundo.
Esse fundamentalismo, como eu percebo, ignora os fundamentos democráticos, já que parte da crença de que detém a verdade absoluta — o que, segundo eles, justificaria eliminar seus “inimigos”, quase sempre associados à esquerda ou a outras posições ideológicas. Silas Malafaia, por exemplo, aparece ameaçando opositores, afirmando publicamente que qualquer parlamentar da bancada evangélica que votar contra seus interesses será chamado de traidor.
Ele repete várias vezes que “somos 30% da população” e que “temos o poder”, deixando claro que o objetivo não é o diálogo democrático, mas sim o domínio ideológico ou o governar pela maioria.
Para mim, Apocalipse nos Trópicos é uma análise polêmica, provocadora e extremamente necessária sobre como religião e política estão interligadas no Brasil de hoje. O documentário revela os impactos dessa relação sobre a democracia e sobre a forma como boa parte da população enxerga a sociedade. É um cenário alarmante — e que, infelizmente, deve continuar influenciando o cenário político por muitos anos.
Israel Aparecido Gonçalves é cientista político e escreve sobre Relações Internacionais, Conflitos e Direitos Humanos. Atualmente é doutorando em Sociologia e Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é graduado em História e Filosofia. Organizou mais de 20 livros nas áreas de Educação e Ciências Humanas e possui 131 artigos de opinião publicados em diversos sites e jornais do país. Seu livro mais recente é “Sociologia e Direito – Volume 3”, lançado pela Editora Periodicojs em 2025.
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